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ANÁLISE-Processo contra militares por tentativa de golpe sob Bolsonaro pode acabar com décadas de impunidade

Placeholder - loading - O ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto em Brasília 20/06/2022 REUTERS/Ueslei Marcelino
O ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto em Brasília 20/06/2022 REUTERS/Ueslei Marcelino
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Por Manuela Andreoni

SÃO PAULO (Reuters) - A prisão de um general de quatro estrelas no fim de semana mostra que a Justiça brasileira está pronta para jogar duro com os acusados de conspirar para anular violentamente o resultado da eleição de 2022, rompendo com a impunidade que marcou quase um século de golpes militares.

O ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto foi preso no sábado por suposta interferência na investigação de um plano de golpe organizado com o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu companheiro de chapa nas eleições de 2022.

No mês passado, a Polícia Federal acusou eles e mais de duas dezenas de oficiais militares da ativa e da reserva de participarem do complô golpista, incluindo um plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes que ele tomasse posse.

Advogados de Bolsonaro e Braga Netto negam que eles tenham participado da suposta conspiração golpista.

A prisão preventiva e o indiciamento contra altos escalões militares sugerem que eles podem não usufruir da anistia tradicional concedida aos membros das Forças Armadas brasileiras em suas intervenções políticas que marcaram o século 20.

Também pode ser um teste para o relacionamento tenso de Lula com os militares.

Antes de Braga Netto, historiadores militares citam apenas dois generais de alta patente presos por interferirem na sucessão presidencial, nas décadas de 1920 e 1960.

Ao contrário da Argentina e do Chile, onde as Forças Armadas também derrubaram governos eleitos para instalar ditaduras sangrentas durante a Guerra Fria, o Brasil nunca puniu os líderes de seu regime militar (1964 a 1985).

Devido a uma lei de 1979 que perdoava os crimes do governo militar, os tribunais brasileiros praticamente ignoraram as evidências públicas de que a ditadura torturou milhares de pessoas e matou centenas, de acordo com um relatório de 2014 do governo federal.

'Porque não foi punido, porque a história não foi contada, ela está aí, como um ovo de serpente', disse Eliana Pintor, de 62 anos, uma das centenas de manifestantes que se reuniram sob chuva em São Paulo, na semana passada, para exigir que Bolsonaro e seus cúmplices sejam levados a julgamento.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve decidir no ano que vem se apresentará denúncia contra Bolsonaro e os demais indiciados, que negam qualquer irregularidade e consideram a investigação politicamente motivada e legalmente suspeita.

Aliados de Bolsonaro no Congresso estão promovendo um projeto de lei que concede anistia ao ex-presidente e seus apoiadores que enfrentam riscos legais por invadirem e depredarem as sedes dos Três Poderes em Brasília em janeiro de 2023 durante um protesto pedindo que os militares derrubassem o governo Lula.

Embora esse projeto de lei atualmente enfrente obstáculos políticos e legais, o sistema judiciário brasileiro, muitas vezes lento, pode levar anos para punir Bolsonaro e outros alvos da investigação da Polícia Federal concluída no mês passado.

Uma pesquisa divulgada na sexta-feira mostrou que 51% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro e oficiais militares tentaram um golpe para bloquear a Presidência de Lula. Mas a pesquisa Genial/Quaest descobriu que 38% discordavam -- ressaltando as profundas divisões políticas que poderiam eventualmente descarrilar o indiciamento.

Ainda assim, até mesmo a perspectiva de supostos generais golpistas serem julgados quebraria o precedente no Brasil.

'Essa é uma grande novidade e um grande desafio para o funcionamento da Justiça brasileira', disse Paulo Abrão, diretor executivo do Washington Brazil Office, um centro de estudo progressista que trabalhou na responsabilização por crimes durante a ditadura.

Abrão disse que os esforços para processar altos oficiais militares no Brasil há muito enfrentam resistência daqueles que temem que tal medida 'desestabilize a democracia'.

TESTE PARA AS RELAÇÕES

Para Lula, que entrou na política como líder sindical organizando greves contra o governo militar na década de 1970 e cujos aliados incluem ex-membros da resistência armada ao regime, um julgamento pode testar sua delicada relação com os militares.

O ministro da Defesa, José Mucio, ressaltou em declaração à Reuters que as evidências apresentadas pela Polícia Federal apontam para atos de indivíduos, não da instituição Forças Armadas.

Essa opinião é amplamente compartilhada nas Forças Armadas, de acordo com três oficiais superiores, que falaram sob condição de anonimato.

Ainda assim, deixando de lado a ideologia, interesses materiais pesam nas relações entre os militares e o governo Lula.

No governo Bolsonaro, oficiais militares ocuparam cargos de poder como nunca se viu desde o fim da ditadura. Milhares assumiram empregos bem pagos no governo federal e vários serviram como ministros de Estado.

Carlos Fico, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que a suposta tentativa de golpe pode ter sido menos motivada por ideologia do que por interesses em privilégios particulares.

'A motivação agora é menos ideológica e doutrinária e mais no sentido deles manterem uma série de privilégios, cargos, a previdência especial que os militares têm no Brasil', disse.

O próprio Bolsonaro surgiu na cena pública no final da década de 1980, logo após o fim do governo militar no Brasil, como capitão do Exército, exigindo maiores salários para os soldados e defendendo os interesses das bases militares.

Esses benefícios agora estão sob pressão, já que o governo Lula busca maneiras de reduzir os gastos com salários e pensões, incluindo uma proposta para aumentar a idade mínima de aposentadoria de oficiais militares para 55 anos.

Duas pessoas envolvidas nas discussões disseram que as Forças Armadas foram mais resistentes do que outras áreas do governo federal que também enfrentam cortes propostos.

No entanto, as ramificações políticas são secundárias para muitos brasileiros que esperaram pela maior parte de suas vidas para ver militares responsabilizados por seus crimes.

Victoria Grabois, uma ativista de direitos humanos de 81 anos, perdeu marido, pai e irmão em 1973 devido à oposição deles à ditadura. Seus esforços para levar os assassinos à Justiça foram infrutíferos.

'Nunca ninguém sentou nos bancos dos réus', disse.

Embora os militares acusados no mês passado de conspirar para anular as eleições de 2022 não tenham nada a ver com os crimes contra sua família, Grabois disse que está esperançosa com a perspectiva de responsabilização.

'Talvez isso freie essa gana golpista que esses militares têm', disse ela.

(Reportagem de Manuela Andreoni; reportagem adicional de Marcela Ayres e Ricardo Brito, em Brasília, e Eduardo Simões, em São Paulo)

Escrito por Reuters

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