Eleição cheia de ineditismos tem alguma chance de definição presidencial já neste domingo
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Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) -A disputa pelo Palácio do Planalto chega ao primeiro turno depois de uma campanha eleitoral cheia de ineditismos e marcada pela tensão, que pode levar neste domingo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a conquistar um inédito terceiro mandato presidencial, fato sem precedentes na história democrática do país.
Seis pesquisas divulgadas no sábado mostraram que Lula tem alguma chance de liquidar a disputa neste domingo.
Entre elas, o Ipec registrou Lula com 51% dos votos válidos --que excluem os brancos e nulos, e também os indecisos da pesquisa-- e o Datafolha colocou o petista com 50%. Para vencer na primeira rodada de votação, um candidato precisa ter mais da metade dos votos válidos. Em ambas as pesquisas a margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Os dois levantamentos colocam o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) em segundo lugar, com 37% no Ipec e 36% no Datafolha.
Analistas ouvidos pela Reuters apontaram que a taxa de abstenção dos eleitores mais pobres --inclinados a Lula e que historicamente comparecem em proporção menor às seções eleitorais-- neste domingo deverá ser fator-chave para as chances de Lula liquidar a fatura sem precisar de uma segunda rodada de votação que, se necessária, acontecerá no dia 30 de outubro.
'Aumentou a probabilidade de vitória em primeiro turno, o condicionante, me parece, por isso que ainda estou um pouco conservador, é a taxa de comparecimento eleitoral. Se ela for homogênea em todos os grupos, acho que Lula ganha no primeiro turno', disse o analista político da Tendências Consultoria Rafael Cortez.
'Se ela tiver uma variação, essa variação em tese prejudica o Lula, porque eleitores de renda mais baixa, escolaridade mais baixa, tudo mais constante, vão menos na eleição, caso se confirme esse padrão histórico, isso pode atrapalhar esse cenário de vitória em primeiro turno.'
Pela primeira vez neste domingo um candidato à reeleição chega ao dia do voto atrás nas pesquisas de intenção de voto, e este não é o único fato inédito protagonizado por Bolsonaro. Desde a redemocratização, nunca antes uma eleição foi marcada pela contestação frequente ao sistema eleitoral por um dos principais postulantes como feito por Bolsonaro, nem um candidato insinuou que poderia não reconhecer uma derrota.
Tampouco há notícia de uma campanha presidencial tão virulenta desde a volta da democracia ao país, com altíssima troca de ofensas e acusações especialmente entre os dois principais candidatos.
A violência física também foi marcante, com assassinatos de três apoiadores petistas e uma morte de um apoiador do presidente possivelmente por motivos políticos, entre outros episódios de agressões e intimidações.
Essa sequência de fatos inéditos pode ser coroado após 156 milhões de eleitores votarem neste domingo com mais um: a derrota de um candidato à reeleição ao Palácio do Planalto, e já no primeiro turno.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, disse no Twitter logo após a abertura das urnas pelo país, às 8h (horário de Brasília), que a Justiça Eleitoral 'segue trabalhando para que todos tenham um domingo tranquilo e seguro.
TENSÃO E VIOLÊNCIA
Os meses que antecederam este domingo foram marcados pelas constantes alegações falsas e sem fundamento de Bolsonaro contra o sistema eleitoral, além de uma retórica frequentemente agressiva do presidente, especialmente a dirigida a Lula, a quem chamou de 'ladrão', 'ex-presidiário', 'vagabundo' entre outras ofensas.
Bolsonaro, por sua vez, recebeu de Lula durante a campanha o tratamento de 'genocida', 'desequilibrado mentalmente', 'bobo da corte', entre outros.
O ápice da hostilidade mútua se deu no debate da TV Globo, na última quinta-feira, quando o petista e o candidato à reeleição trocaram ofensas e tiveram seguidos direitos de respostas concedidos.
Para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, o que definirá se haverá mais algumas semanas de disputa será 'o constrangimento das pessoas'.
'Aquele debate foi constrangedor. As pessoas buscarão manter esse mesmo clima por mais quatro semanas? Não se trata de aderir ao Lula ou não, se trata de querer prolongar esse processo ou não', disse.
'Acho que depende daí e muito menos de uma onda pró-Lula a definição sobre se haverá ou não segundo turno', acrescentou, apontando não ser possível apostar se o desfecho ocorrerá ou não neste domingo.
Em meio ao clima agressivo, o guarda municipal Marcelo Arruda foi morto a tiros em julho durante sua festa de aniversário --que tinha Lula como tema-- em Foz do Iguaçu pelo policial penal Jorge Guaranho, apoiador de Bolsonaro. Em setembro, na cidade de Confresa, no Mato Grosso, Rafael Silva de Oliveira, simpático a Bolsonaro, matou a facadas Benedito Cardoso dos Santos, defensor de Lula, após uma discussão política enquanto trabalhavam.
Às vésperas do primeiro turno um apoiador de Bolsonaro foi morto a facadas em um bar de Santa Catarina e a polícia apura se a motivação foi política. No Ceará, um homem foi assassinado por outro ao responder que votaria em Lula quando o agressor quis saber se havia algum eleitor do petista no local.
CENTRO-DIREITA
A tensão também se estendeu às campanhas dos candidatos ao Legislativo, com registros de confrontos e agressões durante eventos de campanha na rua por postulantes a uma cadeira na Câmara dos Deputados apoiadores de Lula e de Bolsonaro.
Mas, ao contrário do que ocorre na disputa pelo Planalto, a batalha pelos assentos legislativos em Brasília --com um terço do Senado também em disputa-- não deve trazer grandes novidades.
A expectativa é que o Congresso que tomará posse em fevereiro de 2023 mantenha o predomínio de legendas de centro-direita, com também manutenção da força dos partidos do chamado centrão. Analistas ouvidos pela Reuters esperam uma disputa entre PT e PL --partidos de Lula e Bolsonaro-- pelo posto de maior bancada da Câmara, com o União Brasil correndo por fora, beneficiado pelo fato de ter ficado com o maior quinhão do fundo eleitoral.
O resultado das urnas no domingo também deve revelar um enfraquecimento de Ciro Gomes, candidato ao Planalto pelo PDT, que deve ter desempenho pior do que teve em 2018, quando encerrou em terceiro lugar com 12,47% dos votos válidos. Agora, o pedetista, que adotou tom agressivo contra Lula na reta final da campanha, a ponto de ser acusado de alinhar-se ao bolsonarismo, aparece entre 4% e 8% dos votos válidos nas pesquisas.
A campanha chega também ao dia da votação sacramentando o fracasso da chamada terceira via. Na pré-campanha nomes como o então governador de São Paulo João Doria (PSDB), o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (União Brasil) e até o apresentador Luciano Huck foram aventados como alternativa a Lula e Bolsonaro, mas sequer chegaram a sair candidatos. A tarefa acabou com Simone Tebet (MDB), que tampouco conseguiu atrair o eleitor e, de acordo com as pesquisas, deve ter entre 3% e 7% dos votos neste domingo.
(Edição de Pedro Fonseca e Alexandre Caverni)
Escrito por Reuters
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