Governo Lula busca plano para 'descontaminar' forças de segurança, mas caminho é incerto
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Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - A sequência de erros das forças de seguranças que terminaram por facilitar a invasão dos Três Poderes por manifestantes golpistas deixou claro para o governo Lula que a tarefa de pacificar esse setor será complicada, e já se fala na necessidade de 'descontaminação', tanto das polícias quanto das Forças Armadas, com a saída de membros mais identificados com o bolsonarismo.
Desde o domingo, ministros do entorno do presidente admitem que a contaminação das forças pode ir além do esperado e interferir na tradicional disciplina militar que normalmente impera nas forças armadas e nas polícias militares.
Nesta quinta-feira, foi o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva que falou abertamente do tema, dizendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro havia conseguido 'poluir todas as Forças Armadas' e afirmando que além de militares houve também policiais 'coniventes' com os ataques.
Ministro da Casa Civil, Rui Costa, é um dos que falam na necessidade de uma 'descontaminação', mas os meios de se chegar a isso ainda é uma discussão que não está clara no governo.
No dia seguinte às invasões de manifestantes golpistas havia já uma unanimidade no governo de que as forças de segurança falharam e que as causas, em muitos casos, podem ter sido uma afinidade ideológica maior de alguns policiais e militares com os golpistas do que com a manutenção da democracia.
'Temos que aprender com os erros, corrigir, descontaminar as instituições e apurar as responsabilidades. Iremos reafirmando políticas públicas, reafirmando valor das instituições, inclusive das Forças Armadas para que, se alguém cometeu irregularidades, independentemente de qual instituição pertença, responda por seus erros', defendeu Rui Costa.
Ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha reforçou a ideia de que existe de fato uma 'contaminação'.
'Temos várias instituições que foram contaminadas pelo ódio bolsonarista, pela prática golpista da extrema-direita, eventualmente indivíduos que fazem parte de estrutura civis e militares podem estar contaminados', afirmou.
A solução passa, na visão do governo, por responsabilização e punição em caso de erros cometidos --e de participação nas manifestações. Em casos já identificados, os militares da reserva envolvidos nas invasões foram exonerados dos cargos que ocupavam. É o caso do capitão de mar e guerra Vilmar Fortuna, que era assessor no ministério da Defesa, demitido a pedido do ministro José Múcio Monteiro.
Outro caso foi do coronel da reserva Adriano Testoni, que trabalhava no Hospital das Forças Armadas e foi filmado na invasão, xingando generais e a própria instituição.
No entanto, o processo de tirar a influência bolsonarista de dentro dos quartéis e polícias não é trabalho simples, e a dificuldade chegou a colocar o ministro da Defesa, com apenas uma semana no cargo, na berlinda, a ponto de ter que negar oficialmente que pediria demissão até ser rearfirmado no cargo por Lula também nesta quinta.
Fontes ouvidas pela Reuters, no entanto, admitem que Múcio tem uma tarefa nas mãos que ninguém sabe como será de fato como se cumprirá. 'Não tem como saber o que fazer agora, não é uma tarefa fácil. Ainda se está tateando, é difícil', disse uma das fontes. 'Vai ter que conversar muito, observar muito.'
De perfil conciliador e proximo tanto de Lula como tendo a simpatia de Bolsonaro, a escalação de Múcio foi vista como uma saída de Lula para aplacar, num primeiro momento, as tensões com alas militares, que participaram em peso do Governo Bolsonaro, tanto em ministérios como em milhares de cargos nos escalões mais baixos.
Parte dos militares embarcou publicamente nas contestações que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral eletrônico sem base factual e a cúpula jamais rejeitou os clamores golpistas que bolsonaristas diantes dos quartéis.
Até os ataques de 8 de janeiro, Lula vinha sendo comedido nas falas sobre os militares e havia seguido o critério de antiguidades para escolher o comando das três forças. Agora, subiu o tom e disse que as Forças Armadas não são o poder moderador 'que acham que são'.
Nas frentes de contenção relacionadas a outras forças de segurança, uma das propostas que se conversa dentro do governo passa pelo Legislativo. Rui Costa acredita que é preciso limitar a participação política de militares e policiais em candidaturas políticas.
'Alguma coisa na legislação precisa ser revista. Esse excesso de participação de militares e policiais militares na política está levando progressivamente a uma certa contaminação das forças', disse. 'Quem perde eleição volta como militante partidário para dentro da instituição, não é mais a pessoa que saiu para ser candidato. É preciso repensar, e a sociedade brasileira e o Congresso precisam redefinir os parâmetros e as diretrizes.'
Nesta quarta, Lula deu um passo para limitar esse espaço excessivo ao vetar parte de uma lei aprovada pelo Congresso ainda sob o governo de Jair Bolsonaro que garantia a manifestação política de policiais. Pela Constituição, forças de segurança precisam seguir hierarquia e disciplina e a lei os proíbe de fazer manifestações contra o governo.
A nova lei, aprovada por um Congresso com uma representação recorde de policiais e militares, conflitava, na visão da gestão Lula, com a legislação anterior.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu. Edição Flávia Marreiro)
Escrito por Reuters
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