Setores se mobilizam contra MP que restringe uso de crédito tributário e tema pode ser judicializado
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Por Bernardo Caram e Marcela Ayres e Roberto Samora
BRASÍLIA (Reuters) - A medida provisória editada pelo governo para restringir o uso de créditos tributários por empresas deve enfrentar uma batalha no Congresso e na Justiça, com setores afetados já se movimentando contra a iniciativa e tributaristas mapeando pontos que podem ser alvo de questionamento nos tribunais.
No dia seguinte ao anúncio da medida, representantes de setores impactados pelas novas regras iniciaram contatos com parlamentares em busca da derrubada da MP e fizeram declarações públicas contra o texto, que tem validade imediata, mas depende de aprovação do Congresso.
No fim da tarde desta quarta-feira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) informou que tomará 'todas as medidas jurídicas e políticas' para contestar a MP, enfatizando que o presidente da entidade, Ricardo Alban, interrompeu participação na comitiva oficial do governo brasileiro à Arábia Saudita e China e antecipou a volta ao Brasil para 'atuar com urgência' na reversão da iniciativa.
No anúncio da medida, na terça-feira, em entrevista à imprensa na qual autoridades do Ministério da Fazenda se recusaram a detalhar quem passará a pagar mais tributos com a mudança na legislação, análises de instituições financeiras, tributaristas e representantes de setores mostram que os maiores impactados são as cadeias produtivas do agronegócio, combustíveis e medicamentos.
Em vigor desde já para compensar a manutenção da desoneração da folha salarial de setores da economia e de municípios, a MP impede que créditos tributários de Pis/Cofins sejam usados para abater outros tributos, barrando também que empresas com direito a crédito presumido desse tributo sejam ressarcidas em dinheiro caso não consigam fazer a compensação.
O ganho estimado pela Fazenda com a limitação dos benefícios é de 29,2 bilhões de reais nos sete meses de vigência em 2024 --a pasta não apresentou a projeção de ganho para 2025, embora a medida seja permanente.
A iniciativa mais que compensa a perda de receita de cerca de 26 bilhões de reais com a desoneração da folha, e é crucial para que o governo cumpra a meta de déficit fiscal zero neste ano.
O advogado Adriano Moura, sócio da área de direito tributário do escritório Mattos Filho, avaliou que os benefícios que estão sendo limitados são legítimos, previstos em lei e cumpriam funções que fazem sentido, como fomentar o cultivo de produtos estratégicos, reduzir preços de alimentos, estimular vendas de pequenos produtores e viabilizar exportações.
Entre os itens atingidos por um dos eixos da MP estão carnes, frutas, legumes, cereais, café, leite, óleo de soja, margarina, medicamentos diversos, nafta petroquímica e biodiesel, que tinham direito ao benefício do ressarcimento em modalidades variadas, incluindo fabricação, importação e exportação.
'Talvez o governo não tenha colocado de forma clara (quem será atingido) porque isso poderia ter efeito de rejeição à medida. Imagina você dizer, por exemplo, que quer limitar o crédito a um pequeno produtor”, disse o advogado à Reuters.
Moura afirmou que a medida vai dificultar o escoamento desses créditos pelas empresas, que terão uma elevação de custo com o pagamento maior de tributos, podendo repassar o impacto para o preço final ao consumidor.
Ele prevê que o tema será judicializado, citando conflitos em relação a leis que não foram revogadas pela MP, questionamentos de empresas que fizeram investimentos como contrapartida do benefício ou mesmo atritos com a Constituição.
“O exportador, por exemplo, tem o argumento de que a Constituição prevê desoneração tributária das exportações. Se você dificulta essa desoneração, ainda que indiretamente, você pode estar violando a Constituição”, afirmou.
SETORES
O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), informou já ter feito contato com a Frente Parlamentar da Agropecuária da Câmara para mobilizar deputados para barrar a iniciativa.
Em nota, o Cecafé afirmou que o conteúdo da MP fere a Constituição, impacta o caixa das empresas e reduz a competitividade do Brasil, argumentando que “não estamos diante de privilégios a serem cassados”.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) trataram a medida como “equivocada e desproporcional”.
'As empresas perderão competitividade e sustentabilidade para manutenção dos empregos, além do desestímulo para investimento e criação de novos postos de trabalho. Há ainda o fator inflacionário que o aumento de custo de produção trará', disseram as associações em nota.
Para o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a MP amplia custos das empresas e fere o princípio da não cumulatividade tributária, além de violar a segurança jurídica no país.
Análise publicada nesta quarta-feira pelo Bradesco BBI apontou que empresas dos setores de alimentos, distribuição de combustíveis, agricultura e farmacêutico devem ser as mais afetadas pela MP, com as exportadoras de café, laranja, suíno, frango e carne provavelmente sendo as mais impactadas.
'É possível que haja alterações na legislação durante as discussões no Congresso, devido ao forte lobby agrícola, que conta com o maior número de parlamentares e senadores dispostos a apoiar causas favoráveis', afirmaram os analistas Thiago Pereira e Francisco Navarrete em relatório enviado a clientes.
Relatório do BTG Pactual também citou exportadores como grandes impactados por dependerem fortemente do mecanismo da compensação cruzada de tributos. O banco destacou produtores de carne, como a Minerva, que tem 65% das receitas provenientes de exportações, enquanto na BRF o patamar é de 45%.
Em outro relatório, analistas do UBS BB afirmaram que a utilização de créditos deve ser muito mais lenta do que previsto, o que significa um valor presente mais baixo dos créditos das empresas. Eles citaram a Raízen, com 8,3 bilhões de reais em créditos fiscais de PIS/Cofins.
Procurado, o Ministério da Fazenda disse que não vai comentar. A Raízen disse que não iria comentar o tema. Minerva e BRF não se manifestaram imediatamente.
(Por Bernardo Caram, Marcela Ayres e Roberto Samora, com reportagem adicional de Paula Arend Laier)
Escrito por Reuters
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