Berlusconi levou o burlesco para política italiana
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MILÃO (Reuters) - Impetuoso, exuberante e quatro vezes primeiro-ministro, o bilionário Silvio Berlusconi foi um magnata da mídia e showman da política cujos escândalos financeiros e sexuais o tornaram a figura mais polarizadora na Itália moderna.
Ele morreu nesta segunda-feira, aos 86 anos.
Com uma autoconfiança inatacável e um forte espírito empreendedor, Berlusconi criou um império de negócios que, em seu auge, se estendia da construção à televisão, publicações, varejo e elite do futebol.
Ele usou sua riqueza e proeza na mídia para se lançar na política em 1994, derrubando os partidos tradicionais de uma forma que foi repetida mais tarde por outro magnata do setor imobiliário, Donald Trump, ao ser eleito presidente dos Estados Unidos em 2016.
Muitos críticos de Berlusconi dizem que ele usou seu poder principalmente para proteger seus próprios interesses comerciais, apontando para o fraco desempenho econômico da Itália, a burocracia inflexível e a corrupção desenfreada durante seus longos períodos no governo.
Ele mesmo disse que só entrou na política para barrar a esquerda.
'A política nunca foi minha paixão. Isso me fez perder muito tempo e energia. Se entrei no ringue, foi apenas para impedir que os comunistas tomassem o poder', declarou ele à revista Chi em uma entrevista para marcar seu 80º aniversário em 2016.
Os eleitores repetidamente acreditaram em sua exuberância e Berlusconi sobreviveu a uma série de gafes e escândalos diplomáticos, incluindo alegações de que ele fez sexo com uma garota menor de idade e organizava orgias selvagens.
Mas ele foi suplantado pela escala da crise financeira da Europa em 2011 e teve que renunciar ao cargo de primeiro-ministro.
Nova humilhação se seguiu na forma de uma condenação em 2013 por fraude fiscal, um veredicto que significou que ele foi temporariamente barrado do Parlamento e destituído de seu querido título, Il Cavaliere, ou o Cavaleiro - uma condecoração do Estado.
Sob pressão financeira, ele vendeu seu amado time de futebol Milan, cujo sucesso em campo já refletiu seus triunfos políticos, enquanto seus esforços para transformar seu grupo de mídia em um gigante de transmissão pan-europeu nunca realmente decolou.
Desafiando o tempo, Berlusconi fez campanha para as eleições nacionais de 2022, mas seu famoso brilho havia desaparecido e seu outrora predominante partido Força Itália, dilacerado por divisões, obteve apenas 8% dos votos - seu índice mais baixo da história.
No entanto, foi o suficiente para garantir um retorno ao governo como parceiro minoritário em uma coalizão de direita, com o próprio Berlusconi conquistando uma cadeira no Senado, encerrando seu exílio parlamentar.
Em seu partido político e da mesma forma em seu império empresarial, Berlusconi não deixou nenhum herdeiro aparente. De acordo com a lei italiana, todos os seus cinco filhos receberão uma parte de seus bens, enquanto o Força Itália pode ter que lutar para sobreviver sem ele no comando.
GAME SHOWS
Berlusconi nasceu em uma família modesta no norte da Itália em 1936. Depois de passagens como cantor de navios de cruzeiro, ele fez sua primeira fortuna em negócios imobiliários em Milão nas décadas de 1960 e 70. Berlusconi negou constantemente as repetidas acusações de que recebeu dinheiro da máfia para sustentar esses investimentos iniciais.
Tendo construído apartamentos, Berlusconi forneceu aos inquilinos seu próprio canal de televisão. Essa empresa rapidamente se transformou em uma rede nacional de fato que acabou quebrando o monopólio estatal, apresentando à Itália católica romana as delícias dos game shows de topless e das novelas norte-americanas de baixo custo.
Sufocado pela burocracia da Itália, era quase impossível progredir sem patrocínio político e quando o principal protetor de Berlusconi, o líder do Partido Socialista Bettino Craxi, fugiu para o exterior para escapar de acusações de corrupção, o magnata decidiu entrar na política ele mesmo, batizando seu partido com o nome de um grito de futebol.
Com a velha classe política atingida por acusações de corrupção, os italianos engoliram as sorridentes garantias de Berlusconi de que ele sabia como consertar o país e, em poucos meses, o elegeram primeiro-ministro.
Seu governo durou apenas meio ano, com a coalizão desmoronando após a notícia de que ele estava sendo investigado por corrupção ligada a seus interesses comerciais.
Problemas legais acompanharam Berlusconi ao longo de sua carreira política e ele foi condenado em pelo menos sete casos por acusações graves, incluindo subornar um senador e pagar juízes.
Berlusconi disse que foi vítima de perseguição judicial liderada pela esquerda e que o eleitorado ficou do lado dele, devolvendo-o ao poder nas eleições de 2001. Rejeitado em 2006, ele voltou com força em 2008, usando seu charme e habilidades de negociação para tecer coalizões de centro-direita.
BUNGA BUNGA
Ao mesmo tempo, a vida sexual de Berlusconi estava sendo divulgada na imprensa mundial, incluindo detalhes chocantes de suas notórias festas 'bunga bunga'.
Magistrados dizem que ele pagou milhares de euros por sexo com a dançarina de boate nascida no Marrocos Karima El Mahroug, quando ela era menor de idade.
Ele negou, mas admitiu tê-la libertado de uma delegacia de polícia, dizendo que ela era sobrinha do então presidente egípcio Hosni Mubarak. Um tribunal finalmente o absolveu de fazer sexo com uma jovem, dizendo que ele não deveria saber que ela tinha menos de 18 anos.
Embora Berlusconi tenha menosprezado sua reputação de namorador, sua segunda esposa, Veronica Lario, não o fez. Ela pediu o divórcio dizendo que não poderia viver com um homem que 'sai com menores'.
Os muitos escândalos cobraram seu preço e, em 2011, ele renunciou ao cargo de primeiro-ministro quando a Itália se aproximou de uma crise de dívida ao estilo grego.
Ele nunca se casou novamente, mas em 2022 teve um casamento 'simbólico' com sua parceira Marta Fascina, 53 anos mais nova, que usou um vestido de noiva branco para a cerimônia não oficial.
Berlusconi foi um dos personagens mais extraordinários do cenário político muitas vezes bizarro da Itália, uma figura extravagante cujas piadas de mau gosto por si só teriam matado uma carreira política na maioria dos países da União Europeia.
O próprio Berlusconi não se arrependia de sua carreira política, embora sentisse claramente que era frequentemente traído.
'Tudo o que sei é que, tanto na política externa quanto na doméstica, nunca cometi um único erro', disse ele à revista Chi em 2016. 'Mas, quando penso nisso, não consigo me lembrar do nome de um único amigo na política.'
Escrito por Reuters
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