ENFOQUE-Além de disputa judicial, preço do gás gera prejuízo à Petrobras
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Por Letícia Fucuchima e Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Se Estados e distribuidoras de gás natural estão obtendo vitórias provisórias na Justiça contra a Petrobras, por conta de contratos que consideram extorsivos, de outro lado a petroleira não conseguirá repassar toda a alta do energético, amargando prejuízo bilionário nessa divisão em 2021.
O impasse é mais um desafio que se impõe na primeira renegociação contratual das distribuidoras de gás com a Petrobras sob a nova lei do gás, aprovada neste ano, deixando na promessa o alardeado 'choque de energia barata' pelo governo brasileiro.
Compradores estão enfrentando aumento de preço de cerca de 50% do gás natural, em meio à disparada nas cotações internacionais e maior demanda no Brasil para atender termelétricas visando o enfrentamento da crise hídrica.
A situação ameaça até a prestação do serviço público, segundo afirmam as distribuidoras. Mas, mesmo que as concessionárias sejam obrigadas a aceitar os reajustes, isso não será suficiente para evitar perdas na divisão de gás da Petrobras.
Segundo o diretor de pesquisa para gás da consultoria Wood Mackezie, Mauro Chavez, a Petrobras não está conseguindo transferir instantaneamente todo o custo com gás natural liquefeito (GNL).
'Estimamos que a Petrobras sofreu um prejuízo líquido de 1 bilhão de dólares nos seus negócios de gás em 2021, impactado principalmente pelas despesas com GNL', afirmou ele, em análise compartilhada com a Reuters.
Procurada, a companhia não quis comentar se sofreu perdas no segmento.
Mas divulgou mais cedo uma nota --comentando as liminares judiciais-- na qual afirma que a alta demanda por GNL e limitações da oferta internacional resultaram em expressivo aumento do preço internacional do insumo, que chegou a subir cerca de 500% em 2021.
A estatal vai encerrar o ano com 119 cargas importadas de GNL, superando o recorde anterior de 2014, quando a empresa trouxe 99 cargas para ajudar o país a lidar com a escassez de chuvas nas hidrelétricas, como aconteceu em 2021, na pior crise hídrica em 91 anos.
O especialista em gás da Wood Mackezie no Brasil, Henrique Anjos, acrescentou que um leilão emergencial de energia realizado em outubro deve resultar em preços mais elevados do gás até dezembro de 2025, o que atraiu alguns produtores nacionais a venderem o insumo para a geração termelétrica, reduzindo alternativas de abastecimento, incluindo para distribuidoras.
Além disso, destacou ele, em nível global o mercado de GNL está apertado, com preços elevados a um recorde acima de 35 dólares por milhão de btu.
Mas o fato é que nesta semana, quatro Estados --Rio de Janeiro, Ceará, Sergipe e Alagoas-- conquistaram liminares na Justiça para suspender o reajuste dos preços do gás a ser aplicado a partir de 2022 nos contratos celebrados entre a Petrobras e distribuidoras estaduais.
Segundo a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), as condições comerciais oferecidas pela petroleira resultam em aumento de 50%, em média, do preço da molécula a partir de janeiro.
Na avaliação do advogado especializado no setor de energia e gás e consultor jurídico da Abegás, Gustavo De Marchi, o aumento de preços em questão extrapola a esfera meramente comercial e contratual, uma vez que ameaça a própria prestação do serviço público de fornecimento de gás.
'É uma discussão ligada ao interesse público, porque o preço é transferido diretamente para o mercado consumidor --não por acaso, várias iniciativas (na Justiça) partiram dos Estados. (O reajuste) afeta a modicidade tarifária e a própria prestação do serviço', afirmou ele.
Para De Marchi, há instrumentos que poderiam ser empregados para suavizar a alta de preços, como um escalonamento. 'Mas tem que ser consensual.'
SURPRESA
A Petrobras já anunciou que tentará reverter as liminares.
No comunicado desta quinta-feira, a petroleira afirmou ter sido surpreendida pela judicialização do tema, dizendo que buscou oferecer às distribuidoras produtos com prazos distintos (de seis meses a quatro anos) e mecanismos contratuais para reduzir a volatilidade dos preços, como referência de indexadores ligados ao GNL e ao Brent, opção de parcelamento e a possibilidade de redução dos volumes nos contratos de maior prazo.
'A Petrobras entende que essas decisões (judiciais) abalam a segurança jurídica do ambiente de negócios, interferindo na livre formação de preços, colocando em risco a implementação da própria abertura do mercado de gás natural no Brasil e atração de investimentos no país', diz o comunicado.
Já do lado das distribuidoras, a Abegás afirma que a petroleira tem praticado ações anticompetitivas num momento em que as concessionárias ainda não têm condições efetivas de firmar contratos de suprimento de gás com outros ofertantes.
De acordo com a entidade, a Petrobras é a única com portfólio suficiente para atender as distribuidoras de gás canalizado.
A diversificação da base de supridores das distribuidoras já vem acontecendo de forma pontual. Algumas concessionárias têm conseguido fechar acordos --é o caso da Bahiagás, que passará a receber gás da Shell, Galp e Equinor a partir do ano que vem.
Já em outras regiões, as dificuldades de suprimento são mais evidentes. A Petrobras foi a única a apresentar viabilidade de fornecimento numa chamada pública aberta neste ano pelas distribuidoras de gás canalizado do Centro-Sul -- MSGás (MS), GasBrasiliano (SP), Compagas (PR), SCGás (SC) e Sulgás (RS).
O novo marco legal para o setor de gás foi aprovado pelo Congresso em março deste ano.
Na avaliação de uma fonte próxima do processo, a abertura do mercado 'deu azar' de ocorrer num momento de alta do GNL.
Contudo, para Chavez, da Wood Mackezie, o programa do 'Novo Mercado de Gás' pode ter falhado ao não prever uma sequência pré-programada de leilões de recontratação de gás, destinados a transferir gradualmente as obrigações de fornecimento, transporte e processamento de gás da Petrobras para terceiros.
'Além disso, a falta de um planejamento integrado de gás e energia para a concepção do leilão de energia de emergência resultará em escassez de produção não contratada de gás de terceiros para abastecer distribuidoras e indústrias até o final de 2025. Isso significa que os preços do gás no Brasil ficarão altos por mais tempo', completou ele.
(Com reportagem adicional de Marta Nogueira e Rodrigo Viga Gaier no Rio de Janeiro)
Escrito por Reuters
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