Misery inova ao levar obra ao teatro, confira entrevista com Mel Lisboa
Com Mel Lisboa e Marcelo Airoldi a peça fica em cartaz até 27 de março
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Misery é uma das obras mais interessantes do suspense. Escrita pelo rei do terror Stephen King, a obra nasceu como um livro em 1987 e foi adaptada para o cinema em 1990. Nas telas, Misery foi a única adaptação de um livro de King a ganhar um Oscars – Kathy Bates levou a estatueta de melhor atriz por sua interpretação de Annie Wilkes.
O roteiro do filme, e toda a apdatação da obra literária ficou nas mãos de William Goldman. Justamente baseado nessa versão da história que Cláudia Souto e Wendell Bendelack se basearam para montarem sua versão de Misery.
Antes de cairmos de cabeça na crítica da peça - que contará com spoilers! - vale dizer que Misery (que talvez você conheça como Louca Obsessão) tem uma tradição de adaptações teatrais. Na Broadway, Bruce Willis deu vida a Paul Sheldon e no Brasil Marisa Orth e Luís Gustavo deram vida a dupla de personagens.
Sem mais enrolação vamos falar de Misery em sua mais nova montagem, mas cuidado haverão spoilers.
Vamos começar situando o cenário. Montado com inteligência, a transição entre 4 ambientes é feita de modo que contribui para a narrativa – ok apenas uma cena que está lá apenas por conta da transição que pouco acrescenta, mas escrever algo assim é um desafio.
O palco circular e giratório permite que as duas faces sejam mudadas entre o quarto, a cozinha, e o exterior da casa de uma maneira diferente e inovadora. Cabe aqui elogiar os contrarregras que muito bem souberam entrar em cena para transferir o cenário ou demonstrar a passagem do tempo.
O roteiro inova, e muito. A adaptação de William Goldman traz muito mais humor para a narrativa. Esse humor foi majestosamente bem aproveitado pela adaptação brasileira que, sem tirar as características estadunidenses, traz a piada para o Brasil. Seja no sotaque ou na referência a nossa cultura popular.
A dificuldade de adaptar um livro majoritariamente monológico e reflexivo é muito bem vencido graças as expressões e boas interpretações dos atores. Marcelo Airoldi traz um Paul Sheldon mais desafiador e astuto, quiçá revoltado. O escritor se apoia em muitos palavrões para gerar as cenas de humor ou de tensão - uma grande prova de versatilidade.
Alexandre Galindo talvez tenha sido o mais desafiado. Sua interpretação do xerife Buster é completamente nova e nada antes foi construido com tanta profundidade sobre o personagem. Sotaque, movimentação do corpo, olhar. Em diversos aspectos Galindo mostrou sua capacidade de entregar muito em um personagem que normalmente não tem tanto nas adaptações de Misery.
Mel Libosa, por sua vez, apresenta uma Annie Willkies menos má. A enfermeira é tão vítima de sua própria loucura quanto qualquer outro. A mudança da imagem de salvadora para algoz acontece mais sutilmente. A violência, pelo menos a extrema cometida pela personagem no livro e no filme, não está mais lá. Calma! Isso não é motivo para decepção, com toda a narrativa nada disso faz falta alguma.
Antes de falarmos de som, luz e roteiro, confira nossa conversa com Mel Lisboa. A atriz nos recebeu em seu camarim enquanto se preparava para a sessão que nosso repórter assistiu para escrever a matéria. Mel já estava maquiada, seus olhos de Annie Wilkes muitas vezes assustavam quanto me encararam diretamente.
Antena 1: Para começarmos qual foi a maior inspiração o livro, o filme ou a versão da Mariasa Orth?
Mel Lisboa: Nenhum dos três. Na verdade foi uma criação nossa, uma interpretação nossa desse texto, uma interpretação que vem muito de uma ideia do [Eric] Lenate de montagem do que ele queria criar com esse espetáculo. A personagem, que ele também queria criar. Uma interpretação diferente.
A personagem não está presa a uma só interpretação, ela pode ter vários e vários tipos de interpretação. E as montagens também, uma pode ser de um jeito. A gente, na verdade, teve que fazer uma criação conjunta dentro do texto, do material que a gente tinha, da tradução da Claudia e do Wendell e fazendo a nossa versão.
A1: A persoagem do começo é bem diferente da do final. Qual dessas faces da Annie Wilkies é mais fácil ou prazerosa de interpretar?
Mel Lisboa: É bem diferente o que a gente faz. A minha Annie Wilkes é mais leve, tem um certo humor. Você cria mais empatia por ela no início e, a medida que as coisas vão acontecendo, você vai se perguntando ‘porque ela está fazendo isso? Ela parecia tão legal’, mas isso na verdade, de certa forma, humaniza. A gente não é de todo bom ou de todo mal, não é?, a gente comete erros e tenta acertar. No final, a relação desses dois já está muito desgastada, os dois já cometeram vários erros, ela mais. Ao chegar no final ela já está assim em um estado meio alheio ao que está acontecendo. Como se tivesse saído do próprio corpo.
O que eu gosto é justamente criar essa trajetória. Nem o antes e nem o depois, é o processo. E, como a gente criou uma personalidade com uma certa instabilidade emocional, tem uma cena que ela ta muito empolgada e fala, pula e grita e canta. Na cena seguinte ela ta chorando. Essa alternância de humores é um desafio. Para que faça sentido no final da peça é desafiador.
A1:Dessas cenas desafiadoras, qual é a mais desafiadora?
Mel Lisboa: Tem cenas que são mais difíceis até por uma questão técnica. A cena da marretada, tecnicamente é uma cena difícil. A cena do jantar, a menira como o Lenate criou a cena do jantar, com uma ambiguidade muito grande, de um modo que eu acho que a platéia, cada um, pode interpretar de um jeito, era o objetivo dele, toda ambiagua. Você não sabe se ela ta realmente seduzindo ele, se ele está seduzindo ela, se realmente foi acidente e derrubou a taça, ou não ela tava ligada, se ela está manipulando ele ou está sendo amnipulada. Não fica claro e o objetivco é esse, não é para ficar claro. Essa é uma cena difícil, é dificl criar essa ambiguidade. É mais fácil você ir no certeiro
A cena que queima o livro dele também é bastante complicada em vários sentidos. Nenhuma é fácil, resumindo.
Vamos então continuar com nossa análise
Em teor técnico a peça continua com a altíssima qualidade que em seus outros aspectos. Luz especialmente expressiva e uma direção sonora que nos traz um ambiente cada vez mais controlado pelo diretor e atores, como deve ser.
O roteiro, por fim, merece todos os aplausos que um público pode dar. Apresentar o final do livro, recheado de diferentes cenários, foi feito de uma maneira tão diferente, mas que colocou em meu peito exatamente o mesmo sentimento que as páginas. Isso não é a única coisa: o melhor uso dos personagens, como citei antes, a construção da tensão é gradual, as falas do livro e do filme.
Em resumo: gostando ou não, conhecendo ou não as outras adaptações e versões de Misery, a peça em cartaz no teatro Porto Seguro inova e consegue agradar a todos. Seja pela qualidade da produção ou da história, ambas enormes.
SALA DE BATE PAPO