Plenário do Senado contraria STF e aprova projeto de marco temporal para terras indígenas, que segue à sanção
Publicada em
Atualizada em
Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - O plenário do Senado aprovou e enviou à sanção presidencial nesta quarta-feira o projeto que estabelece o chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas, em direção oposta ao posicionamento recente do Supremo Tribunal Constitucional (STF), que rejeitou a tese da data de corte.
A discussão do marco temporal, que normalmente já provocava embates entre a bancada ruralista e defensores dos povos indígenas, acabou contaminada por um conflito maior, em que integrantes do Legislativo, boa parte da oposição, acusam o Judiciário de extrapolar suas prerrogativas e invadir as competências do Congresso.
O presidente do Senado, no entanto, usou a palavra em plenário para negar qualquer postura de 'enfrentamento' ao STF.
'Não há nenhum tipo de sentimento revanchista em relação à suprema corte de nosso país', disse Pacheco, explicando que a Casa apenas cumpre o seu papel ao votar o projeto.
'Não podemos nos omitir daquilo que é nosso dever, que é de legislar.'
Pelo texto aprovado por 43 votos a 21, fica estabelecido o dia da promulgação da Constituição Federal -- 5 de outubro de 1988 -- como marco temporal. Pela tese, terras sujeitas à demarcação precisam da comprovação de que eram ocupadas por povos indígenas nesta data.
A votação ocorre no dia em que a suprema corte discutia a modulação de votos dos ministros sobre o tema para definir, entre outros pontos, os termos de indenizações a proprietários de terras que venham a ser desapropriadas. Na semana passada, o Supremo rejeitou, por 9 votos a 2, a tese do marco temporal.
VISÕES OPOSTAS
Para o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), o projeto vai além do marco temporal e trata de temas que seriam ainda 'mais inconstitucionais' do que a adoção da data.
Randolfe avalia que o texto flexibiliza regras de proteção de povos isolados, permite a retomada de terras de reservas indígenas onde ficarem constatadas alterações culturais, e permite a plantação de transgênicos em terras indígenas, além de proibir a ampliação de terra indígena já demarcada.
'O Supremo Tribunal julgou um caso sobre isso. Correndo atrás, o Legislativo tentou alterar o julgamento em tela através de uma lei infraconstitucional, abaixo da Constituição', afirmou Randolfe, acrescentando que a proposta será levada 'ao veto' do presidente da República que, mesmo derrubado, levará a uma nova provocação ao STF para que se pronuncie.
Já o relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado -- onde o texto foi aprovado mais cedo --, Marcos Rogério (PL-RO), não há espaço para considerar o projeto inconstitucional, mesmo que a suprema corte já tenha se manifestado em sentido contrário.
'O legislador não é constitucionalmente obrigado a adotar os mesmos entendimentos do Supremo Tribunal Federal', sustenta Rogério, no parecer aprovado pela CCJ e pelo plenário.
'Apesar disso, e não obstante inexista, numa democracia, 'última palavra' sobre tema algum, é relevante reconhecer que o PL em análise praticamente apenas positiva, explicita em lei o entendimento adotado pelo STF nos paradigmáticos julgamentos do caso Raposa Serra do Sol', disse.
PECS
O texto-base do projeto foi aprovado em plenário, mas segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), ainda é preciso trabalhar por votos para aprovar uma PEC para deixar o marco temporal claro no texto constitucional, e outra, que está na Câmara, que trata da indenização prévia a proprietários de terras desapropriadas.
Por se tratar de uma mudança na Constituição, uma PEC precisa contar com os votos favoráveis, em dois turnos de votação, de 3/5 dos parlamentares, o que equivale a 49 dos 81 senadores.
A aprovação do projeto nesta quarta foi criticada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que lembrou do posicionamento do Supremo na semana passada para afirmar que não é possível rever uma decisão da corte constitucional por meio de projeto de lei.
'Se for o entendimento desta Casa que esta é uma seara que deve ser reaberta, o caminho é através de uma Proposta de Emenda à Constituição, e mesmo ela vai ser questionada, tenho certeza, mas com um pouco mais de valia jurídica', disse o senador, avaliando a tentativa de fixar o marco temporal por projeto como um caminho 'absolutamente vazio'.
Outros senadores, no entanto, consideraram que o projeto de lei apenas reafirma o que entendem já estar previsto na Constituição.
Para a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura na gestão de Jair Bolsonaro, o projeto é necessário ao estabelecer 'parâmetros claros' para a definição de reservas, o que 'equilibra os direitos dos indígenas com os interesses legítimos de terceiros de boa-fé que possam ser afetados pela demarcação de terras indígenas'.
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas lamentou a aprovação da proposta apesar das interlocuções da ministra, Sonia Guajajara, com líderes e até mesmo com o presidente do Senado para evitar que pontos 'críticos' permanecessem no texto.
'Além de atentar contra os direitos dos povos indígenas, o PL vai na contramão das conversas globais, agora encabeçadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, de proteção ao meio ambiente e liderança brasileira na agenda contra as mudanças climáticas', diz a nota da pasta.
Escrito por Reuters
SALA DE BATE PAPO