Setembro Amarelo: como ajudar um membro da família com comportamento suicida
Antena 1 conversa com psicóloga especialista em terapia de casal e família
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A cada 40 segundos, uma pessoa no mundo tira sua própria vida. Anualmente, são registrados cerca de um milhão de óbitos por suicídio em todo o mundo – sem contar os casos subnotificados. Por trás dos números alarmantes da Organização Mundial de Saúde (OMS), encontram-se inúmeras histórias de luta, sobrevivência e uma cadeia sem fim de quem fica – pais, irmãos, amigos, cônjuges, avós, tios, primos, colegas.
Veja também: Setembro Amarelo: perguntas e respostas sobre a depressão
Publicado no ano passado, um estudo norte-americano avalia que, para cada pessoa que se mata, outras 135 são impactadas. Mas o sofrimento compartilhado não tem início aí. “Quando um membro da família começa a ter comportamento suicida, por exemplo, todos os demais, de diferentes formas, já passam a experimentar a dor”, avalia a psicóloga Gabriela P. Mourão de Mello, especialista em terapia de casal e família pelo Instituto Sedes Sapientiae e em psicoterapia psicanalítica pela Universidade de São Paulo (USP).
Para ela, o destaque à saúde mental atrelado à pandemia de covid-19 traz à tona a necessidade de ampliar as discussões sobre o tema, já que a maioria dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais, como depressão e transtorno bipolar.
“Já passou da hora de termos consciência do que, enquanto sociedade civil, podemos fazer para contribuir e mudar esse cenário”, diz. E uma das principais medidas, considera, é justamente essa: debater o tema de forma responsável.
No mês do Setembro Amarelo, a Antena 1 fala sobre as melhores formas de ajudar um ente querido que está pensando em atentar contra a própria vida, e de auxiliar o grupo familiar em questão.
Estar atento aos sinais: ‘Nada acontece do dia para noite’
A trajetória até a tentativa suicida é longa, de acordo com Gabriela. Na maioria dos casos, essa pessoa está sofrendo com sintomas há bastante tempo. Nem sempre, no entanto, eles são percebidos pela família.
“Nós damos sinais da nossa condição emocional diariamente mas, diante das ocupações cotidianas, corremos o risco de perder de vista os sinais comunicados pelas pessoas que convivem com a gente e que podem estar adoecendo debaixo dos nossos olhos”, alerta.
Essa comunicação do sofrimento se dá de diversas formas que, segundo a psicóloga, também variam de acordo com a faixa etária. Entre os mais frequentes, estão quadros de ansiedade, fobia, depressão, isolamento social e comportamentos destrutivos (como a automutilação). A desesperança e o desânimo persistente para realizar atividades rotineiras, como ir à escola ou ao trabalho, também requerem atenção máxima.
Estar atento aos sinais que denunciam o comportamento suicida é o ponto-chave para a prevenção, considera a psicóloga.
Quem fala sobre tirar a vida deve ser levado a sério
Profissionais de saúde mental e organizações da área há tempos tentam acabar com o que afirmam ser um mito popular: o de que conversar sobre suicídio pode ser um incentivo para o ato.
“É importante dialogar com a pessoa, perguntar se ela está pensando nessa possibilidade”, considera a psicóloga. O ponto central da questão, explica, está na forma com a qual o assunto é tratado. Ela indica duas palavras-chave para uma abordagem responsável e eficiente: acolhimento e respeito.
“Quando um membro da família comunica o desejo suicida, é importante que a família dê voz ao sofrimento dele, escute-o sem fazer julgamentos”, recomenda.
Ela avalia que respostas curtas como “não é nada sério, vai passar” ou “não pensa assim, isso é só tristeza passageira” acabam, na prática, minimizando a dor do outro e contribuindo para o agravamento do quadro.
“Já atendi adolescentes que tentaram o ato, mas não consumaram. A principal queixa deles era de que a família não tinha tempo para falar sobre a questão emocional, como se fosse uma coisa menos importante”, conta a psicóloga, que também recomenda não exigir que a pessoa melhore do dia para a noite, mas respeite o seu tempo para lidar com a dor.
Escolher um lugar calmo onde o indivíduo se sinta confortável, fazer contato visual e não empurrar suas próprias ideias sobre como ele deve estar se sentindo – o importante é ouvir –, ainda, são alguns dos conselhos para conversar com alguém com pensamentos suicidas, segundo a Samaritans, entidade britânica de apoio à saúde mental.
Procurar por atendimento especializado
Fugir do problema de um membro da família pode estar associado aos tabus em torno do atendimento psicológico, avalia Gabriela. “Não são poucos os que ainda enxergam a terapia como ‘coisa de louco’ e adiam procurar ajuda”, diz.
A busca por atendimento especializado é recomendada pela psicóloga no caso de agravamento dos sintomas. Mas, alerta, “é sempre melhor prevenir do que remediar”.
Como cada pessoa é única, uma ação individualizada será necessária para cada caso, de forma que, depois de identificadas as necessidades específicas de saúde, um plano de tratamento e proteção do indivíduo seja elaborado.
“Não é preciso ter vergonha por estar buscando um profissional ou por ter um membro da família fazendo isso. Temos que buscar o que é melhor para nossa mente e corpo, que andam juntos”, incentiva a especialista.
A psicóloga lembra que, hoje, há diversas possibilidades de atendimento psicológico, desde as mais caras até as gratuitas. “Precisamos buscar um serviço de qualidade e que combine com o nosso bolso, mas o mais importante é isso: ir atrás de ajuda profissional”, enfatiza.
A importância de buscar maneiras de agir efetivamente na prevenção do suicídio também é acentuada pelo mote da Campanha Setembro Amarelo deste ano da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) em parceria com a CFM (Conselho Federal de Medicina): “É Preciso Agir”.
A família também precisa de ajuda
Se um membro do corpo humano adoece, todos os demais sofrem, direta ou indiretamente, os seus efeitos. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a uma família que apresenta um indivíduo com pensamentos suicidas: de diferentes formas, cada um de seus integrantes experimenta a dor. Mas ela também pode ser sintomática de um problema interno.
“Quando um membro da família manifesta os sintomas do comportamento suicida, na verdade não é só ele que está doente”, explica Gabriela. “Ele pode estar denunciando que o sistema familiar precisa de ajuda, porque, muitas vezes, o que está ocorrendo ali são as dificuldades de relacionamento entre eles”.
Por isso, recomenda a psicóloga, não basta que somente um ente querido com pensamentos suicidas realize o acompanhamento psicológico. Todos os demais que estão inseridos na dinâmica da família também precisam de apoio profissional. Além de ajudar o grupo a lidar melhor com a situação ou identificar falhas em seus modos de agir, acompanhar a pessoa em sofrimento pode ser benéfico para o tratamento, já que é uma demonstração de engajamento.
Embora o apoio familiar articulado ao atendimento profissional não sejam garantia para impedir atentados contra a vida, não há dúvidas de que o papel conjunto desses agentes reduz significativamente a probabilidade do ato ser consumado.
“Quando se tem na família amor, acolhimento, respeito aos sintomas e tratamento especializado, há enormes chances de que a pessoa e a família sejam transformadas e, cuidando de tudo que estava machucando, encontrem novos significados para a vida”, considera a psicóloga.
Se você precisa de ajuda, é possível entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece atendimento diário durante 24h pelo telefone 188 para momentos de crise emocional e auxílio para prevenção do suicídio. A organização sem fins lucrativos também atende por e-mail, chat e pessoalmente. Nos casos de risco iminente de morte, o Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (SAMU) deve ser acionado pelo número 192.
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