Turnês de despedida: Adeus Digno Ou Estratégia para lucrar?
A tendência está em alta, mas não necessariamente a promessa é cumprida
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Nada mais apelativo para se comprar um ingresso de um show do que uma turnê de despedida. Saber que é a última oportunidade de se sentir aquela presença ao vivo e criar uma memória pela vida inteira, sem querer arriscar lamentar-se para o resto dela é um argumento quase imbatível. É como se a nostalgia batesse à porta e pesasse mais do que qualquer preço de ingresso no bolso.
Acontece que os artistas sabem disso, também. Dados de uma pesquisa feita pelo Serasa e Opinion Box, entrevistando 1398 brasileiros em março de 2024, constataram que 56% dos entrevistados realizam planejamento financeiro para conseguir curtir seus ídolos, 48% dos fãs recorrem ao cartão de crédito para poder cantar com seus ídolos e 59% dos entrevistados buscam opções de parcelamento sem juros. Esses números demonstram a importância dos shows na vida das pessoas, sem considerar turnês específicas de despedida.
Ainda se ressalta o fato de a população do nosso país possuir um baixo poder aquisitivo, de forma geral – o preço de um ingresso de um show internacional ou de um artista grande nacional custa, em média, um terço do salário mínimo. E, no Brasil, a maioria da população brasileira (60,1%) vivia com até um salário mínimo per capita por mês em 2022, enquanto 31,8% tinham renda entre um e três salários mínimos per capita mensalmente, de acordo com uma pesquisa do IBGE de 2023.
Por que vamos a shows?
Ao se encontrar diante do último concerto de sua antiga banda preferida ou de um festival imperdível, mesmo tendo que fazer sacrifícios, o fã já sabe que decisão tomar. Isso ocorre porque a experiência de desfrutar do artista preferido em uma apresentação ao vivo proporciona benefícios que compensam o impacto financeiro.
Além do receio de se arrepender, existe também o elemento da vivência ao vivo. O sentimento de estar rodeado por pessoas que compartilham uma paixão em comum e presenciar um instante memorável na vida é um investimento mais poderoso do que ter de abrir mão de outros fatores.
Porém, muitas vezes, a turnê acaba não sendo a última, o que leva os fãs a sentirem-se desrespeitados. O lucro é muito atraente.
Tchau?
Os concertos de despedida sempre foram uma tática que funcionou bem no cenário internacional. A banda Kiss, por exemplo, arrecadou tanto com sua turnê de despedida em 2000, afirmando que “não havia mais montanhas para escalar” que decidiu realizar outra duas décadas depois. Pelo menos, o Paul Stanley foi sincero e admitiu que o dinheiro foi motivador (além dos fãs, claro).
A Farewell Yellow Brick Road, de Elton John, gerou nada menos que 900 milhões de dólares em ingressos vendidos. Já o Slayer obteve um lucro superior a 10 milhões de dólares – somente com os produtos relacionados à banda! – desde que anunciaram sua turnê de despedida.
A diva do pop Cher também reavaliou sua decisão de se afastar dos palcos. Desde 2002, a artista já mencionava a possibilidade de se despedir do público e, em 2014, fez esse anúncio: “ Essa é minha turnê de despedida. Eu nunca mais vou voltar. Eu juro por Deus”. No entanto, Cher desfez a própria promessa e seguiu realizando shows e turnês.
Em 1971, Frank Sinatra informou que estava se aposentando dos palcos e comentou que havia diversas coisas que gostaria de realizar e que ainda não tinha feito, como, por exemplo, conhecer mulheres e comprar uma casa. Contudo, dois anos depois, o cantor afirmou: "Não fique surpreso. Se Bobby Riggs pode voltar, eu também posso. Você pode questionar por que eu desisti de tudo em primeiro lugar. Na época, me pareceu uma boa ideia. Apenas procrastinar, jogava golfe e me divertia. Mas coisas que eu não previa continuaram acontecendo comigo. Por exemplo, depois de jogar golfe por dois anos, eu tenho 17 anos de handicap. Não é possível".
Último show de Frank Sinatra
Roger Daltrey afirmou em 1982 que o The Who não realizaria mais turnês, descrevendo isso como um pesadelo. No entanto, parte desse anúncio estava relacionada aos problemas de dependência química de Pete Townshend, que conseguiu se recuperar com o tempo e, por sua vez, a banda voltou a se apresentar. Eventualmente, após mais algumas “turnês de despedida”, reconheceram que continuariam ativos e fariam apresentações esporádicas.
Até o Mcdonald 's entrou na brincadeira e fez uma turnê de despedida para um de seus mais famosos sanduíches, o McRib. A campanha foi levada tão a sério que a rede de fast-food fez uma playlist chamada “The McRib Farewell Tour Playlist”, com a irônica legenda: “Aqui está. A trilha sonora definitiva de Sayonara foi feita por fãs de McRib® em todo o país. Apenas se lembre: adeus não significa adeus.” E, assim como muitos artistas, em menos de um ano eles já anunciaram a turnê de retorno do lanche.
Adeus necessário
Quando se trata de música, lamentavelmente, não há muitas alternativas para os fãs. O setor de shows é rentável, e o retorno financeiro compensa o desgaste com o público, já que sempre haverá quem esteja disposto a pagar. Enquanto isso, podemos ser alvos de fraudes de diversos tipos, seja na compra de ingressos pelas redes sociais ou na mão de revendedores ilegais. A responsabilidade de nos proteger cabe a nós, enquanto as empresas devem assegurar os direitos do consumidor sem impor preços exorbitantes.
Não podemos simplesmente condenar essa "indústria" das turnês de despedida. Afinal, é admirável quando um artista reconhece seu momento de parar. Todo músico merece uma despedida digna, que celebre sua carreira, junto ao público responsável pelo seu sucesso. Partir sem a oportunidade de se despedir parece ainda mais doloroso do que um show de adeus. Portanto, é fato que essas turnês continuarão existindo, e o que esperamos é que a estratégia de marketing não seja excessiva ou enganosa para aqueles que estejam de coração aberto para participar dessa experiência.
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