Da dança ao protesto: a transformadora Motown
A relação entre as canções e a política era profunda, e no centro disso estava boa música e o compromisso de mudar o mundo
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Originária de Detroit, também conhecida como Motor City, o som da Motown foi um dos fenômenos culturais mais marcantes na história da indústria fonográfica, transformando para sempre o cenário do soul e da música pop. Guiada pela visão do fundador Berry Gordy, a música dessa gravadora transcendeu gerações e deixou uma marca indelével na cultura mundial. Ela criou superestrelas como Diana Ross e The Supremes, The Temptations, Marvin Gaye, Stevie Wonder, Gladys Knight And The Pips e uma infinidade de outras influências.
Todas as décadas coexistem com mudanças sociais, mas algumas passam por mudanças mais significativas do que outras. O auge da Motown ocorreu nos anos 60, quando até mesmo essa gravadora, com um foco na música cativante, teve que reconhecer as transformações em uma sociedade obcecada pela juventude.
A revolução juvenil desse período foi de vital importância, e se você estava tentando vender música para os jovens, você tinha que estar ciente disso ou ser completamente autêntico. A Motown e a política demoraram a reconhecer sua interligação, mas quando o fizeram, os resultados foram explosivos.
Embora nenhuma gravadora tenha trabalhado mais arduamente para alcançar o sucesso do que a Motown - uma história política por si só - o chefe da empresa, Gordy, sabia que a música da gravadora tinha que representar, pelo menos em parte, a ideia jovem tão intensamente quanto entregava os grandes ritmos. Afinal, seu lema, pelo menos por um tempo, era "The Sound Of Young America"ou “O Som da Jovem América”.
Para isso, a gravadora, associada quase exclusivamente à dança e à diversão, deu um pouco mais de ênfase à música com mensagens políticas. Mas eles avançaram com cuidado, passando a maior parte daquele período expressando suas opiniões progressistas em ambientes comerciais.
Havia muito o que protestar nos Estados Unidos dos anos 60. Segregação, Guerra do Vietnã, violência, falta de igualdade de oportunidades, entre outros. A Motown enfrentou a questão da guerra com músicas como "Greetings (This Is Uncle Sam)" (1961) dos Valadiers e "War" e "Stop The War Now" de Edwin Starr (ambas de 1970). Um exemplo mais suave de como a música e a política se uniram sobre o tópico veio com o glorioso sucesso de 1970 do The Supremes, "Stoned Love", que tratava do fim da guerra entre nações através do entendimento e do amor.
Dentro de um ano, Marvin Gaye lançaria "What's Going On", considerado por muitos como o melhor álbum de protesto do soul. No entanto, parecia que o público de Gaye, mais acostumado com ele como um cantor romântico, só estava disposto a aceitar um material de protesto dele - seus projetos explicitamente políticos posteriores não tiveram o mesmo impacto.
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A partir de 1968, canções sobre questões familiares também se tornaram um tema recorrente na Motown. Diana Ross e seu grupo não ficaram imunes a cantar sobre essas questões controversas, como "Love Child", que abordava a maternidade solteira. Esta foi deliberadamente composta para refletir as discussões da época e atualizar a imagem da estrela da Motown.
Um dos maiores atores da Motown no cenário político foi Stevie Wonder, cuja carreira passou por um período turbulento quando ele tentou se afastar da Motown no final dos anos 60. A gravadora não tinha certeza se o ex-protagonista juvenil amadureceria e se tornaria uma estrela adulta, enquanto Stevie não tinha certeza se a Motown lhe daria a liberdade artística que ele desejava. Felizmente para todos nós, o problema foi resolvido, e Stevie se distanciou dos produtores internos da empresa, mas continuou lançando suas músicas na gravadora com a qual cresceu.
Imediatamente, ele tinha coisas a dizer sobre o estado do mundo, garantindo que a política estivesse inextricavelmente entrelaçada com a gravadora ao longo dos anos 70. Em "Where I'm Coming From," de 1970, gravado sob o regime habitual da Motown, Stevie escreveu letras que refletiam sobre o estado do mundo ("Do Yourself A Favor" e "Sunshine In Their Eyes").
Também fez canções como "Big Brother," do álbum "Talking Book" de 1972; "He's Misstra Know-It-All" e "Living For The City" em "Innervisions" (1973); "You Haven't Done Nothin'" em "Fulfillingness' First Finale" (1974); "Village Ghetto Land" e "Pastime Paradise" em "Songs In The Key Of Life" (1976) - todas essas faixas continham conteúdo político explícito, enquanto outras ofereciam uma visão mais espiritual, crítica, sobre como o mundo estava organizado (ou desorganizado).
A combinação de música e ativismo de Stevie atingiu o auge quando ele usou sua enorme influência artística na campanha para reconhecer o aniversário do Dr. Martin Luther King como feriado nacional com o alegre single de 1980 "Happy Birthday". Ao tornar o público dos EUA mais consciente da campanha, a canção provou ser poderosa, ajudando a impulsionar a concessão do feriado, que passou a ser celebrado todo mês de janeiro a partir de 1986, após a maior petição na história dos EUA. A assinatura de Stevie foi uma das seis milhões coletadas.
Na década de 70, a Motown percebeu que o público estava em busca de suas raízes afro-americanas. Embora várias músicas refletissem esse desejo, a gravadora lançou o selo Black Forum. Lá, eles se concentraram em gravações faladas da ativista e líder feminina dos Panteras Negras, Elaine Brown, além de lançar as fitas dos discursos do Dr. Martin Luther King. Embora tenha durado apenas quatro anos, de 1970 a 1974, esse empreendimento demonstrou que o seu compromisso político não se limitava apenas aos seus sucessos, mas estava enraizado na própria empresa.
As músicas lançadas pela gravadora continuam a ressoar até hoje. A relação entre a Motown e a política é profunda, desde as raízes da humanidade até os protestos contra as guerras, desde os defensores da liberdade até os oradores aclamados. A empresa sabia que tinha o dever de tentar ajudar a libertar as pessoas - e não apenas nas pistas de dança.
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